
Karl Popper foi um Filósofo da Ciência que defendeu o princípio da falseabilidade como critério de cientificidade para o conhecimento. Traduzindo: tente provar que aquela hipótese é falsa; se a afirmação resistir ao falseamento (tentativa de provar sua falsidade), deve ser temporariamente considerada verdadeira até que se consiga provar o contrário. Claro que nenhum dos nossos comentaristas esportivos chegou perto de ler Popper alguma vez na vida, então temos um bando de senhores com meras opiniões e senso comum a nos oferecer - coisa que qualquer um tem. Não fazem mais pontos em bolão, ou prognósticos mais acurados, nem mesmo acertam a pronúncia dos nomes eslovacos ou finlandeses mais do que nós. Tirando uma ou outra honrosa exceção de estudiosos, como o excelente Paulo Vinícius Coelho, ou de ex-jogadores inteligentes, como o Caio e o Tostão, os demais são simples cidadãos brasileiros com uma câmera à frente para desferirem chutes e pedradas ao seu bel prazer. Bobagem por bobagem, posso me dar ao luxo de falar as minhas próprias, sofisticadas por um olhar neo-popperiano: vamos ao teste das hipóteses jornalísticas pelo princípio da falseabilidade.
O Brasil perdeu porque:
a) Negou a tradição do futebol-arte, com toque de bola, ginga e habilidade?
Não. Em 1970 teve isso e venceu, em 1982 teve e perdeu. Em 1990 não teve e perdeu, em 1994 não teve e venceu.
b) Não levou jogadores de criação no meio-de-campo?
Não. Em 1958 tinha um meio de campo com ótimos jogadores de criação e venceu, em 1974 também e perdeu. Em 1994 tinha um meio de campo de criatividade limitada e venceu, em 1990 idem e perdeu.
c) O técnico não tinha experiência em Copas do Mundo?
Não. Em 1970 o Zagallo debutou em copas como treinador e venceu, em 1974 e 1998, mais experiente, perdeu. Em 1986, Beckembauer debutou em copas do mundo como treinador e foi vice-campeão; na copa seguinte, mais experiente, venceu.
d) Um jogador perdeu o controle emocional nas quartas de final e foi expulso?
Não. Em 2002, Ronaldinho Gaúcho pisou em um jogador inglês nas quartas de final, foi expulso e vencemos. Em 1994, Leonardo deu uma cotovelada em um jogador americano nas quartas de final, foi expulso e vencemos. Em 2006, não houve expulsões de brasileiros nas quartas de final e perdemos.
e) O jogador brasileiro não consegue recuperar seu equilíbrio emocional quando o placar é adverso?
Não. Em 1958 viramos a final contra a Suécia, em 1962 viramos a final contra a Tchecoslováquia; em 1982 , 1998 e 2006, não conseguimos.
f) O técnico foi cabeça-dura e não seguiu os clamores da torcida?
Não. Em 1994, Parreira cedeu, levou Romário e venceu. Em 2002, Felipão não cedeu, não levou Romário, e venceu.
g) Dunga não soube se relacionar com a imprensa?
Não. Em 1982, Bearzot e a equipe italiana estavam em crise com a imprensa e a Itália venceu, em 2002 a equipe francesa brigou com a imprensa e perdeu. Em 2006, a seleção brasileira estava em lua-de-mel com a imprensa e perdeu, já em 2002, estava bem relacionada e venceu.
h) Não se preparou adequadamente para a copa?
Não. Em 1970, o Brasil se preparou bem e venceu. Em 1982, preparou-se bem e perdeu. Em 2002, preparou-se mal e venceu, em 2006, preparou-se mal e perdeu.
Então, por que raios o Brasil levou essa laranjada em 2010?
Porque das quartas de final em diante a Copa é muito nivelada, decidida em detalhes: falhas, contusões, substituições, apitos, bandeiradas, propinas, rixas e até na mão de Deus. A vitória é que é a exceção, não a derrota: trinta e uma seleções perderão a Copa e só uma a vencerá. O mais estranho não é termos perdido quatorze copas, mas sim termos vencido cinco delas. As outras seleções também são protagonistas e não apenas coadjuvantes em um sonho ufanista brasileiro de monopolizar as vitórias no futebol. É como a piada do brasileiro que foi à Espanha, parou em um restaurante perto da plaza de toros e degustou um prato típico: cojones (os testículos do touro). Gostou do prato e comeu mais duas vezes nos dias seguintes. Na quarta vez, porém, a porção veio muito menor e ele se queixou ao garçom, que respondeu: Cavalheiro, nem sempre é o touro quem perde.